terça-feira, 28 de setembro de 2010

A Democracia Ameaçada

O texto postado abaixo é de autoria de Maurício Abdalla, um de meus ex-professores, com quem tive a sorte de estudar durante a graduação em Filosofia na UFES.

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A DEMOCRACIA AMEAÇADA: DETURPAÇÃO E CORRUPÇÃO DOS MECANISMOS JURÍDICOS DE EXERCÍCIO DO PODER

Maurício Abdalla *

Publicado em: Revista Redes. Vitória: IFTAV/Unisales, Ano II, n. 3, jul/dez 2004.





Qualquer pessoa que tenha um mínimo de acesso aos meios de comunicação percebe que o sistema político representativo brasileiro sofre de sérios problemas. A onda de corrupção que assola o país, embora não seja nova, tem recebido um grande destaque na imprensa nacional. Não se pode negar que a mídia desempenhou um importante papel de denúncia que contribuiu decisivamente para desbaratar quadrilhas que agiam (e agem) através de representantes eleitos pelo povo para os poderes Legislativo e Executivo e de juízes e desembargadores que ocupam o Judiciário, como, por exemplo, nos casos mais gritantes do Acre e do Espírito Santo. Sem o destaque e o acompanhamento dos meios de comunicação nacionais, dificilmente o combate ao crime organizado e a seu braço político teria os resultados que temos constatado.

No entanto, falta à imprensa brasileira uma maior capacidade de análise que nos leve a uma reflexão sobre as verdadeiras causas e as principais conseqüências desses fatos. Não estamos diante apenas de um fenômeno que encerra em si mesmo o seu sentido. Dois aspectos desta realidade são merecedores de especial atenção: 1) os poderes da República estão eivados de corrupção e as instituições políticas não cumprem devidamente o seu papel; 2) os representantes desses poderes são conduzidos e reconduzidos a seus postos através do voto popular democrático; ou seja, são portadores de legitimidade dentro do ordenamento jurídico das democracias modernas. Estes aspectos exigem de nós uma reflexão mais profunda, que analise os fundamentos de nossa democracia e o significado do exercício do poder na sociedade moderna. Engana-se quem enxerga nesses episódios apenas um problema ético. Embora, sem nenhuma dúvida, o comportamento ético de governantes, parlamentares e juízes faça irromper o necessário debate sobre a ética na política, creio que a realidade esteja exigindo de nós uma reflexão sobre a essência do exercício da soberania nas democracias atuais. Estamos diante de fatos que possuem uma significação política muito forte, que não podem ser resumidos a uma questão de postura individual e de moralidade. Trata-se de uma grave corrosão no cerne da ordem jurídica que mantém a sociedade equilibrada dentro de certas regras fundamentais da política moderna.

Neste texto, proponho algumas breves reflexões que, acredito, podem trazer ao debate questões políticas de fundo, que dão sentido à degeneração da prática política brasileira e que apontam para suas graves conseqüências.

OS FUNDAMENTOS DA DEMOCRACIA MODERNA E OS MECANISMOS DE EXERCÍCIO E CONTROLE DO PODER

A característica principal do período histórico conhecido como Renascimento, viveiro da civilização moderna, foi a colocação do ser humano como agente principal de seu destino. Não mais Deus, mas o próprio homem era o responsável pela condução de seus negócios, pelo conhecimento do mundo e pela gestão da sociedade. O poder não mais era concebido como algo que habitava os céus, mas como algo que derivava da vontade livre dos humanos vivendo em coletividade. Era ao ser humano, e não a uma instituição que encarnasse a soberania divina, que cabia a propriedade do poder e a responsabilidade de gerir a sociedade. De cada um, dentro de uma totalidade, emanava o poder, sendo portanto cada cidadão uma unidade que compunha o divisor do poder dividendo.

Uma vez rejeitada a legitimação divina do poder, a tarefa que cabia à modernidade era elaborar mecanismos conceituais e práticos que legitimassem o exercício da soberania necessária para a administração do cotidiano da sociedade. Se a admissão de um poder soberano no período medieval nutria-se de sua acreditada origem divina, a modernidade foi marcada por assentar na vontade humana a fonte desse poder. Ou seja, um poder transcendente deu lugar à imanência da soberania. Restava, então, buscar uma ordem jurídica que tornasse aceitável tal exercício do poder soberano, sem que ele se dissolvesse nas vontades individuais – fato que conduziria ao caos e à impossibilidade de governança da sociedade – e que submetesse tais vontades a uma “vontade geral”.

De forma diversificada, aceitou-se que o Estado fosse concebido como a instituição que encarna o poder imanente e gere a sociedade tendo como conceito orientador a “vontade geral”, seja lá como fosse interpretado este conceito. E foi justamente a percepção dos riscos advindos de interpretações enviesadas desta “vontade geral” e a possibilidade (sempre à espreita) de que o Estado se destacasse de sua fonte de poder originária – abrindo brechas a tiranias, oligarquias e abusos do poder – que levou teóricos e agentes sociais a propor mecanismos legais que equilibrassem o exercício do poder e o mantivessem em harmonia com a “vontade geral”. Os principais mecanismos criados e que se incorporaram às democracias modernas foram o sufrágio universal e a tripartição do poder.

Segundo o primeiro, aos cidadãos é conferida a prerrogativa de escolher livremente, pelo voto, aqueles que irão ocupar temporariamente a estrutura do Estado e exercer a soberania. É uma forma de transmissão consciente e temporária de poder. Na história moderna, as primeiras experiências de sufrágio não universalizavam o direito de voto, restringindo-o aos homens que possuíssem bens. Com o tempo ele foi se universalizando, desvinculando-se da propriedade e incluindo mulheres e analfabetos. É através do sufrágio que os cidadãos delegam a alguns a soberania que lhes pertence de direito. Ou seja, sendo, de direito, proprietárias do poder, as pessoas escolhem aqueles que, de fato, o exercerão. Na base deste mecanismo encontra-se a idéia (nem sempre evocada) de subordinação dos eleitos aos eleitores, na forma da concessão de procuração para ação em nome de outrem.

O segundo mecanismo, ou seja, a tripartição do poder segundo suas formas de exercício – a saber, administração, legislação, fiscalização e julgamento – evita que o exercício do poder soberano em todas suas atribuições descambem em hipertrofia do Estado e na absolutização do poder. Segundo Montesquieu, o poder precisa ter freios e só um poder é capaz de deter um poder, donde a necessidade da separação dos poderes em três, autônomos, mas necessitando conviver em harmonia. Esses poderes aparecem sob a forma de Poder Executivo (administração), Legislativo (legislação e fiscalização) e Judiciário (julgamento).

O processo de formação das democracias modernas foi bastante tumultuado, pelo fato de ter sido uma invenção jurídica e política desenvolvida sobre uma base econômica caracterizada pela separação da sociedade em classes. Na conformação social das economias capitalistas, o conceito de “vontade geral” esbarra com os interesses divergentes das classes sociais. Resulta daí que o Estado se torna um alvo de disputa para que a soberania seja exercida em nome de uma classe social e de seus interesses. Historicamente – mesmo considerando as contradições que não permitem análises uniformes a respeito das instituições sociais – o controle do Estado foi exercido pela burguesia, permitindo que a sociedade fosse conduzida de acordo com os interesses do sistema capitalista. Ademais, as elites de diversos países do mundo e os gestores do capitalismo mundial romperam inúmeras vezes com as regras da democracia sempre que viram seus interesses ameaçados quando o povo quis exercer o poder que lhe pertencia de direito. O golpe militar de 64 é um entre miríades de exemplos que poderíamos evocar. Para manter o poder imanente sob sua tutela, as classes dominantes se apropriaram do Estado através de golpes e intervenções militares, principalmente em países do Terceiro Mundo. Isto mostra um fato curioso e paradoxal: a burguesia, que foi a principal protagonista da criação da política moderna, tornou-se, historicamente, o maior obstáculo para que este ideal se concretizasse em todas as suas conseqüências.

Mas, mesmo com todas as suas possíveis limitações e a ausência de dispositivos que possibilitem um controle direto efetivo por parte dos cidadãos, os mecanismos citados anteriormente permitem que a disputa pelo Estado seja vencida por grupos sociais com interesses distintos das elites econômicas, como atesta a história recente das administrações municipais no Brasil e a última eleição presidencial – para não citar outros casos na América Latina. Embora possa não representar uma mudança definitiva de eixo do poder – por não afetar direta e imediatamente a estrutura econômica da sociedade – este fato mostra a possibilidade de que os cidadãos participem do exercício de sua soberania, concretizando os ideais supremos do espírito moderno de um poder que “emane do povo” e que não lhe seja estranho. Muitos deram sua vida para isso e, ainda hoje, busca-se aperfeiçoar e radicalizar os mecanismos de exercício do poder soberano da população.

Por terem sido criados para tornar o poder de fato imanente à vontade da população, controlando os riscos de apropriação oligárquica da soberania, de criação de um poder contra o povo e de concentração de poder, estes mecanismos possuem uma grande importância no atual estágio da democracia moderna. Sua deturpação e a corrupção de seu uso são deturpação e corrupção da própria essência da nossa democracia e o desmoronamento do ordenamento jurídico que a torna possível. A falência destes mecanismos anula o sentido de sua instituição e despreza séculos de construção de um poder imanente a todos os cidadãos.

Deturpação e corrupção dos mecanismos de controle do poder imanente são os conceitos que nos permitem melhor analisar a realidade política brasileira, ao mesmo tempo em que nos possibilita ter uma maior compreensão dos riscos que certos fenômenos prenunciam.

O SUFRÁGIO UNIVERSAL



Deturpação

O processo eleitoral deveria ser o momento em que todos os cidadãos escolheriam, livre e conscientemente, os que melhores condições teriam para os representar no exercício (de fato) do poder que lhes pertence (de direito). A deturpação deste processo manifesta-se nos seguintes fenômenos (todos eles patentes na realidade política brasileira): a) desconhecimento, por grande parte da população, dos fundamentos do sufrágio universal e da função dos eleitos; b) “futebolização” da política; c) preponderância do marketing; e d) o sistema eleitoral proporcional enviesado, com voto de legenda, mas campanhas de candidatos.

a) Não é preciso uma pesquisa de opinião rigorosa para afirmamos com relativo grau de certeza que grande parte dos eleitores desconhece o sentido das eleições e a função que será exercida pelos eleitos. Em parte, este problema tem sido minimizado pelas campanhas realizadas pelo poder público e entidades da sociedade civil, inclusive os meios de comunicação. Mas como a questão ultrapassa um simples lampejo de sentimento cívico e exige maior reflexão e engajamento, o problema, como um todo, ainda permanece.

Por não perceber o sentido das eleições, uma parte da população tem manifestado insatisfação com a obrigatoriedade do voto e defendido o abstencionismo ou o voto nulo. A defesa do voto facultativo, em minha opinião, é dividida entre os que não entendem para que votam e os que interpretam a democracia sob a ótica individualista da vontade pessoal isenta de obrigações sociais. O direito de votar, conquistado com muita luta pela sociedade, passa a ser visto como um fardo e mais uma obrigação sem sentido imposta pela burocracia estatal, como tantas outras às quais são submetidos os cidadãos nos cartórios e repartições públicas.

Quando o voto se torna uma mera obrigação, perde-se o interesse pela dinâmica total da política, da qual o sufrágio é apenas um momento. Sem esta vinculação do fenômeno “eleição” com o processo político que lhe dá sentido e permite sua compreensão, o mecanismo de escolha é deturpado.

Além disso, a confusão sobre os papéis de parlamentares e mandatários do executivo leva uma parcela da população a votar em candidatos ao legislativo esperando uma ação que é atribuição exclusiva do executivo. Por isso, muitos votam em deputados e vereadores esperando melhorias no município ou no bairro, calçamento de ruas, construção de posto médico e de praças, etc., não se importando com o que ele faz no exercício legal de seu mandato. É a partir dos benefícios “conseguidos” por parlamentares, e não de sua atuação como legislador e fiscalizador, que muitas pessoas os avaliam. Muitas obras e muito assistencialismo garantem a reeleição.

Há ainda o problema daqueles que votam como se estivessem escolhendo a diretoria de uma empresa ou de um clube, sem se atentar que o poder exercido e os recursos geridos são de sua propriedade e não de uma instituição estranha. Por isso a população não manifesta, diante de um deputado que rouba os cofres públicos, a mesma reação ou sentimento que costuma mostrar diante de ladrões comuns ou assaltantes de rua: estes últimos podem até ser linchados, enquanto os primeiros acabam virando uma piada passageira e, muitas vezes, conseguem a reeleição. O exercício do poder parece ter perdido o seu vínculo com o cotidiano dos cidadãos e se tornado estranho a ele.

b) O Brasil, realmente, é o país do futebol. A cultura brasileira está impregnada pela dinâmica dessa atividade esportiva. Não torcer por um time, hoje, é quase o equivalente a não ter religião na Idade Média. Não saber jogar futebol é até motivo de preconceito e exclusão entre crianças do sexo masculino, o mesmo acontecendo (de forma bem mais branda) com adultos que não acompanham os campeonatos e não sabem a escalação dos times.

A lógica do comportamento social em disputas futebolísticas tende a permear quase todas as instâncias de manifestação do senso comum. Tal lógica, baseada no sentimento de torcida e no fato de que o efeito de uma vitória ou derrota é meramente subjetivo, sem conseqüências na vida cotidiana, é transferida para outros campos de fenômenos sociais, como a religião e a política – por isso, tal como o futebol, estes dois também “não se discutem”. No âmbito religioso, a pertença a uma determinada denominação é semelhante, em certos casos, à torcida por um time. Não é de se estranhar, portanto, o fato de que as discussões políticas, principalmente em tempos de eleições, ficam impregnadas da lógica do torcedor.

O sentimento de torcida é manifestado por aqueles que, embora não dando a mínima para a política em seu sentido mais amplo e nos períodos não eleitorais, empunham bandeiras, vestem camisas, e colam adesivos em seus carros em tempos de eleição – quase sempre cedidos por candidatos com uma pequena colaboração a mais. Esses vão aos comícios (que na verdade são shows musicais) e saem “torcendo” para o candidato e, nas ruas e bares, não aceitam argumentações acerca da política geral e safam-se com o velho bordão de que política, como o futebol, não se discute. De fato, não há racionalidade que convença um torcedor sobre os defeitos de seu time ou sobre a superioridade do outro.

A vitória do candidato, como a vitória de um time, é vista apenas como uma vitória do ego do torcedor, com efeitos apenas subjetivos. Quem concebe a política dessa forma acredita que o seu cotidiano não sofrerá absolutamente nenhuma alteração, seja quem for o “vencedor” das eleições. A diferença está em que no jogo eleitoral você pode trocar de “torcida” a cada eleição a fim de não “perder o voto” – atitude inadmissível em um bom torcedor de futebol.

c) A preponderância do marketing sobre os conteúdos está, de certa forma, relacionada com os fatos acima, ao mesmo tempo em que se relaciona com um comportamento social que coloca o consumo acima da necessidade. A sociedade atual compra a imagem e não o produto. Não o teor vitamínico do biscoito, mas a qualidade de sua marca e de sua propaganda; não a função do automóvel, mas a fantasia prometida pela campanha publicitária; não a qualidade da marca do tênis, mas o medo de não usá-la. Tal é a forma que vêm adquirindo as campanhas eleitorais. Não o candidato mais qualificado para exercer o poder em seu nome, mas o que lhe trará a melhor imagem e despertará maiores sentimentos.

O direito imanente de exercício e controle do poder e a submissão do eleito ao eleitor são conceitos totalmente apagados nas atuais tendências do marketing político irresponsável e foram substituídos por um ideal sentimental de escolha daqueles que irão “cuidar do mundo para nós”. Por isso, destacam-se imagens de candidatos mirando o além, com paisagens de retiro espiritual como fundo; valoriza-se as músicas sentimentalistas e o apelo ao religioso; caracteriza-se o candidato como bom pai e bom marido, etc. Reflexões acerca da política e de seus fundamentos, quando há, ficam apenas como tema secundário. O pior é que se tem afirmado que esta é a forma correta e “profissionalizada” de se fazer política e que só se ganha eleição assim. Direita e esquerda vêm, infelizmente, se unindo nesta tendência deturpadora do processo eleitoral.

d) Um último aspecto, de ordem mais técnica, da deturpação dos mecanismos de exercício e controle do poder é o sistema eleitoral proporcional brasileiro que, embora contabilize os votos por legenda, individualiza a campanha por candidatos e não proíbe a troca de partidos. As vagas no parlamento são definidas basicamente por um cálculo que divide o número de votos válidos pelo número de cadeiras a serem preenchidas. A soma de um determinado número de votos é o que garante o preenchimento de cada uma dessas vagas. Para exemplificar, grosso modo, é o seguinte: se um parlamento composto por trinta cadeiras for escolhido por um universo de 300 mil eleitores (supondo que nenhum anulará o voto) cada vaga, para ser preenchida, necessitará da soma de 10 mil votos.

Mas esta contagem não é feita pelos votos recebidos pelos candidatos, mas pela soma de todos os votos recebidos pelo partido ou coligação. Ou seja, ao votar, o eleitor confere uma procuração para o exercício do poder ao partido ou coligação e não ao candidato. Se uma coligação consegue os 10 mil votos ela tem direito a uma vaga, que será ocupada pelo seu candidato mais votado, não importando o número de votos individuais que ele obteve. E assim sucessivamente, de acordo com os múltiplos do número básico exigido para a ocupação de uma vaga. Se a coligação obtiver um número suficiente de votos para eleger quatro, cinco, ou seis deputados, eles serão definidos pela ordem de votação, mesmo que os últimos da fila tenham obtido apenas algumas dezenas de votos.

No entanto (e aí é que está o problema), as campanhas são individualizadas. Os candidatos é que se destacam, são suas imagens que predominam nas campanhas e poucos sabem a quais partidos eles pertencem ou com quem estão coligados, o que gera o dito já popularizado de que “o que importa não é o partido, e sim o candidato”. O sistema é um, mas o processo real é outro. E, depois de eleitos, eles podem trocar de partido e ingressar em um outro que não obteve votos suficientes para eleger um parlamentar.

Além do problema de ordem lógica que esta contradição entre o sistema e a prática real produz, existe um outro mais grave. Sem o conhecimento de que está votando na legenda, o eleitor pode, votando em quem quer, eleger indiretamente quem não quer. Sendo a campanha personalizada, o eleitor pode votar em um representante de sua categoria, no seu vizinho, no seu parente, numa liderança comunitária, etc., achando que está transferindo a essa pessoa (e só a ela) o direito de exercer o poder em seu nome. Mas, não se atentando para os outros candidatos mais fortes da coligação, geralmente nomes tradicionais da política ou pessoas com mais dinheiro para gastar na campanha, ele está transferindo a esses outros a possibilidade de representá-lo no poder. Se estes nomes tradicionais ou pessoas com mais dinheiro forem vinculados ao crime organizado, à corrupção, ao narcotráfico ou representantes de grupos econômicos poderosos, o eleitor, sem o saber, ajudou a colocá-los no poder. É, também, por isso que muitas vezes as Assembléias Legislativas de alguns estados se assemelham muito mais a um covil do que a um parlamento.

Como se pode falar de um mecanismo de escolha livre e consciente dos representantes e de participação dos cidadãos no exercício do poder com distorções como essas apontadas acima?

Corrupção

Utilizo aqui o termo corrupção na sua acepção mais comum, no seu sentido moral, relacionado aos atos ilícitos e aos meios de se burlar normas estabelecidas ou se romper com acordos tácitos ou explícitos. Neste sentido, o mecanismo do sufrágio universal sofre uma deterioração que compromete a sua essência. Isso está manifestado nos seguintes fenômenos: a) compra de votos; b) distribuição de cargos públicos; e d) abuso do poder político ou de influência.

a) Na nossa sociedade, dois fenômenos confluem para que o voto se torne mercadoria de contrabando: a já citada falta de clareza sobre o sentido da eleição e a pobreza, somada à falta de perspectiva de melhoria de vida. Como já foi visto acima, uma boa parte da população não vê no processo eleitoral o sentido que ele possui. Em virtude da própria prática política brasileira, o momento eleitoral é visto, muitas vezes, como uma disputa de pessoas de mau caráter para ocupar cargos que lhes renderão dinheiro e poder pessoal, mas que para isso dependem do voto do cidadão. Cria-se por isso uma “demanda” por votos. Numa sociedade em que tudo vira mercadoria, a essa demanda corresponde uma “oferta” de votos. Desvinculado de seu sentido original, o valor do voto passa a ser econômico e não político. Ele se torna uma mercadoria e não um direito.

Em situações de pobreza e falta de perspectiva, tendo nas mãos uma “mercadoria” que pode lhes valer uma certa quantia a cada dois anos (em dinheiro, alimentos ou objetos), muitos fazem da eleição uma feira e ficam sempre aguardando um pagamento pelo seu “produto”.

Uma boa parte dos políticos atuais se aproveita desta situação e se elege única e exclusivamente pela quantidade de dinheiro que dispõe para arrematar lotes imensos de votos nos grotões e periferias, onde, em função da necessidade, o voto pode ser comprado a preços módicos.

b) Mas o problema não é exclusivo da parcela mais pobre da população ou de pessoas sem instrução oficial, como se costuma dizer. Uma boa parte da classe média também é aliciada por candidatos corruptos, contribuindo para que a eleição deixe de ser um processo de transferência do poder. A diferença é que os setores médios da sociedade não põem à venda seu voto por quinquilharia. Geralmente é por emprego ou melhor colocação em cargos públicos. Os principais fantasmas que assombram a classe média são o desemprego e a falta de prestígio. Por isso, não é pouca a quantidade de votos trocados por uma promoção, um cargo comissionado, um emprego para alguém da família, ou a contratação de serviços temporários. Muitas vezes isso passa a ser a razão última da escolha de um candidato, bem distante, portanto, do que deveria ser uma eleição em sua concepção original.

c) O abuso de poder se manifesta no aliciamento do voto através de ameaças por parte de quem já ocupa o poder e quer manter-se nele ou de quem quer ocupá-lo e possui influência junto aos que o exercem. Transferências, destituição de postos ocupados (chefias de setor, superintendências, diretorias de escolas, etc.), perseguições políticas, cancelamento de serviços contratados e outras formas de intimidação já se tornaram tão corriqueiras na política atual que a população fala delas à luz do dia, como se fossem manifestações de regras legítimas do jogo eleitoral.

Esta situação de corrupção também tira do processo eleitoral a sua legitimidade e o desliga de sua fonte de sentido. O poder fica sem controle, pois apossa-se dele quem quer, desde que tenha as condições financeiras e de poder para isso. Há uma inversão do processo: ao invés de ser uma concessão temporária para o exercício do poder, o voto passa a ser um objeto de disputa para quem deseja gozar dos benefícios da ocupação do Estado. Com isso, é impossível afirmar que, na situação real, o poder “emana” do povo, mesmo que, de direito, isso seja verdadeiro.

A TRIPARTIÇÃO DO PODER

Devo esclarecer que farei aqui uma exclusão deliberada da análise do Poder Judiciário, em virtude de que sua complexidade exige uma abordagem mais ampla, incluindo uma análise dos fundamentos do direito moderno. Para a finalidade do presente texto, basta-nos refletir sobre o Legislativo e o Executivo em sua relação atual.

Deturpação

A finalidade da separação dos poderes de acordo com suas atribuições é a de criar dispositivos moderadores do exercício do poder. A independência dos três poderes é um fator fundamental para garantir este equilíbrio, ao passo que a harmonia entre eles é o que garante a governabilidade da sociedade. Toda ditadura tem como características a supressão dos poderes dos parlamentos e tribunais e a concentração dos poderes no Executivo. Mas a ditadura não é a única ameaça à democracia. A concentração de poder através do controle do legislativo (e muitas vezes do judiciário) e a deturpação dos fundamentos da tripartição do poder também suprimem os objetivos do poder democrático, mesmo aparentemente mantendo suas regras legais.

A deturpação desse mecanismo ocorre nos seguintes fenômenos: a) submissão do Poder Legislativo ao Executivo; b) utilização dos parlamentos como instrumentos de chantagem ao Executivo; c) hipertrofia das atribuições legislativas do Executivo e atrofia da função legislativa dos parlamentos; e d) ação “clientelista” do Legislativo.

a) No sistema presidencialista de governo, em que o Poder Executivo é exercido pela presidência da república – que acumula as atribuições de chefia de Estado e chefia de Governo –, é natural que a importância maior do exercício do poder tenda a se concentrar no Executivo, lembrando que este se encontra separado do parlamento. Decorre daí uma certa concepção que atribui ao Legislativo um papel coadjuvante no exercício do poder. Some-se a isso os vinte anos de ditadura aos quais foi submetido o governo brasileiro, com um poder totalmente concentrado no Executivo, para termos como resultado uma cultura política que não consegue enxergar a necessária divisão dos poderes.

Se quisermos ir mais longe, é preciso acrescentar que esta compreensão que relega o papel do Legislativo decorre também do fato de que, no Brasil, a criação de parlamentos e a divisão de poderes conforme o sistema republicano não foram uma conquista da sociedade, mas uma transposição do modelo europeu por mera conveniência das elites. As mudanças na ordem política brasileira sempre vieram “de cima”, não fixando raízes na cultura política do país por não terem sido resultado de lutas populares ou demandas nacionais. No período Imperial, embora existindo um parlamento, o poder concentrava-se no imperador, cujo poder Moderador lhe concedia, na prática, poderes absolutos. A proclamação da República brasileira foi uma transição realizada pelas elites, através de um golpe militar, sem o envolvimento do povo. Na Europa e nos EUA, de modo diverso, o aumento do poder dos parlamentos e a criação de repúblicas foram resultados de lutas e revoluções, marcando a cultura política da sociedade.

Por isso, temos, por um lado, um conjunto de cidadãos que não se importa muito com o papel do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores e concentram sua atenção apenas no presidente, governadores e prefeitos; e, por outro, parlamentares eleitos que não se sentem pressionados a cumprir a sua função constitucional, por não se sentirem representantes do povo para as atribuições de depositários da soberania popular e de poder equilibrador. Do nível nacional ao municipal, a correlação de forças nos parlamentos brasileiros e a formação de blocos governistas fortes tem feito o Legislativo pender, de modo geral, para um papel referendário das proposições do Poder Executivo. Na maior parte dos casos, visto possuir o Executivo o poder de realizar obras, direcionar verbas, nomear cargos, etc., a formação de uma base de apoio ao governo não tem sido tarefa muito difícil e o papel dos parlamentos muitas vezes assumem um caráter de total subserviência à ação do Executivo.

Depreende-se disso que a necessária autonomia entre esses dois poderes é suprimida, deturpando o sentido da tripartição do poder como forma de controlá-lo.

b) Por outro lado, os parlamentares também têm dado mostras de que sabem usar o seu poder. Mas, infelizmente, este fenômeno tem ocorrido como uma forma de se conseguir benefícios particulares ou de se fazer disputa ideológica ou partidária. Conscientes de que podem bloquear ações pontuais do governo ou mesmo inviabilizá-lo, uma parte dos parlamentares brasileiros, em todos os níveis, tem desenvolvido uma condenável tradição de submeter o Executivo a chantagens. Exige-se, para conceder voto favorável a uma proposta governamental, dinheiro, obras, cargos, maior poder de influência nas secretarias ou ministérios, apoio político em período eleitoral ou encobrimento de possíveis atitudes ilícitas cometidas.

Isso ocorre principalmente quando o governo se vê envolvido em situações de corrupção ou enfrenta forte insatisfação popular. Para dar-lhe garantia de governabilidade, blocos majoritários no parlamento se comprometem a sustentá-lo politicamente, mas exigem em troca o controle do poder (ou de parte dele). A negativa do Executivo em se submeter a essa proposta pode ter como reação uma cassação do mandato ou uma ferrenha oposição que se somará ao clima de denúncias ou insatisfação popular que porventura ronde o governo.

Há situações, também, em que o programa de governo do mandatário do Executivo não se coaduna com as idéias dos partidos que formam a maioria do Legislativo. Neste caso, o sucesso das políticas públicas adotadas pelo partido do governo pode representar o fracasso eleitoral dos partidos opositores. Nessas situações, muitas vezes os parlamentos (principalmente câmaras de vereadores e assembléias legislativas) utilizam o seu poder para ou inviabilizar o governo ou para “empurrá-lo” para um outro tipo de ação. Aqui, interesses partidários e eleitorais são o que movem a ação parlamentar e não a autonomia essencial e o papel fiscalizador do Legislativo. Mais uma vez, deturpa-se o sentido da tripartição do poder.

c) O Poder Executivo também possui a prerrogativa de elaborar leis e até, em alguns casos, de legislar diretamente, como no caso das medidas provisórias (MP). Mas esta deveria ser uma atribuição acessória e não o seu papel essencial. No entanto, a história recente do Brasil, principalmente com os presidentes José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, o Executivo Nacional abusou dessa prerrogativa e governou sustentado em centenas de MP’s, definindo mudanças substanciais nos rumos da economia do país sem a necessária consulta ao Congresso Nacional. A atual moeda brasileira (o Real), resultado de uma política macroeconômica com conseqüências enormes para a vida da sociedade, foi criada por uma MP e permaneceu como tal por alguns anos, sendo reeditada inúmeras vezes. O abuso das MP’s desconsidera o papel do Congresso Nacional e concentra o poder de legislar nas mãos do Executivo, ferindo o princípio da tripartição do poder.

Há muitos casos de municípios (principalmente os menores espalhados pelo interior do Brasil) em que as câmaras de vereadores de fato não legislam sobre assuntos importantes da cidade, limitando-se a votar matérias do Executivo em um mero ritual burocrático. O vereador passa a ser uma espécie de representante de um bairro, distrito ou mesmo de pessoas junto à prefeitura e, no seu expediente na câmara, ocupa-se em aprovar nomes de logradouros, a fazer indicações de obras, ou conceder títulos de cidadão honorário, além de votar as mensagens da prefeitura. Ou seja, a tarefa legislativa, fundamento da existência dos parlamentos, passa a ser de responsabilidade do Executivo e deixa de ser prioridade para alguns níveis do Legislativo.

Com isso, o Executivo assume, de fato, as atribuições de legislar e executar, embora legalmente ainda cumpra o ritual da divisão dos poderes. Tanto no caso do abuso das MP’s como nos casos dos municípios, há uma concentração de poderes no Executivo, deturpando a lógica do poder tripartido.

d) Com essas deturpações acima, uma outra passa a ser a rotina normal dos parlamentos: o clientelismo. As casas legislativas, principalmente as municipais e estaduais, só perdem em peregrinação de necessitados talvez para centros religiosos tradicionais. O dia a dia dos gabinetes é repleto de pedidos de emprego, caixões, promoção em cargos públicos, cadeiras de rodas, vagas em hospitais, atendimento em postos de saúde, material de construção, isenções de multas e até vagas em escolas e universidades públicas.

Não é raro aparecerem alguns deputados justificando o aumento de seus próprios salários pela quantidade de assistencialismo que têm de fazer, como se isso fosse sua atribuição constitucional. Quem já esteve presente em casas legislativas pôde constatar a quantidade de pessoas que transitam entre os gabinetes. Excetuando-se os lobistas, a maioria é formada por cidadãos desamparados que acreditam conseguir alguma ajuda dirigindo-se àquele local. Parlamentares oferecem desde cursos profissionalizantes até indicação para atendimento em postos de saúde.

Seria de se esperar que o atendimento a estas carências fosse assumido pelo Poder Executivo. Porém, diante do abandono ao qual se encontra submetida a população, cria-se um ambiente propício para a prática do clientelismo feita por parlamentares com o dinheiro público ou com quantias adquiridas ilicitamente. O que a população, diante disso, espera de um deputado ou vereador? Certamente, fica difícil dizer que se espera desses representantes uma ação fiscalizadora e legisladora, conforme preceitua a Constituição.

O fundamento da tripartição do poder se perde diante da prática política brasileira. Não se pode dizer que este mecanismo consiga, realmente, fazer com que um poder detenha o outro, evitando a concentração e os abusos e garantindo o equilíbrio essencial da democracia.

Corrupção

A corrupção no exercício do poder tripartido é evidenciada em fenômenos muito comuns na política brasileira. Os mais evidentes e graves são: a) sujeição do exercício do mandato ao recebimento de pagamentos; b) utilização do mandato parlamentar para garantir a impunidade; e c) criação de uma estrutura política de suporte e encobrimento das ações do crime organizado.

a) A forma mais comum de corrupção que grassa pelo poder público brasileiro é a utilização dos mandatos para enriquecimento pessoal. Isso acontece quando o mandatário do Executivo ou o parlamentar atuam sem comprometimento com a sociedade que o elegeu para representá-la no poder. Alguns colocam o mandato à disposição dos interesses dos grupos ou empresas que ofereçam somas mais gordas para suas contas pessoais. A prática do lobby institucionalizou-se no Brasil e, em grande parte dos casos, o poder de pressão é medido em cifrões. São bastante comuns as denúncias de representantes eleitos que governaram em benefício de empresas privadas ou de parlamentares que receberam dinheiro ou outro tipo de pagamento para votar a favor de determinado projeto.

Essa prática de corrupção rompe o vínculo procuratório do eleito com o eleitor, desfazendo o sentido da representação política. O poder não é exercido por quem o possui de direito, mas por quem pode pagar por ele.

b) O instituto da imunidade parlamentar tinha como fundamento a preservação da liberdade dos representantes do povo no exercício de sua atividade constitucional. Para evitar-se a arbitrariedade e as punições por opiniões expressas no cumprimento do mandato, principalmente em estados de exceção, os parlamentares gozavam da prerrogativa da imunidade e não poderiam ser processados pela justiça sem a autorização da casa legislativa a que pertencia.

A imunidade parlamentar no Brasil era por demais ampla e estendia-se também à prática de crimes comuns. Embora tenha sido eliminada pelo Congresso Nacional em 2002, a existência desta prerrogativa fez com que o Poder Legislativo fosse visto como uma espécie de abrigo inviolável por todo tipo de criminoso e desejado por todos aqueles cuja prática criminosa legou condições financeiras e influências sociais para uma vitória eleitoral. Tornar-se senador, deputado ou vereador era a certeza de fugir da ação do Judiciário e garantir a impunidade de seus crimes.

A presença de criminosos e contraventores em um poder importante no sistema republicano corrompe totalmente os seus fundamentos e destrói o seu caráter de representação, maculando o cerne do ordenamento jurídico do exercício do poder.

c) As vantagens que o exercício do poder proporciona podem servir também para a criação de uma estrutura política e logística para sustentar e fortalecer o crime organizado. O que dá o caráter de organização à prática do crime é justamente a sua infiltração nos três poderes, além da criação de uma hierarquia e a montagem de uma estrutura financeira e armada.

Todas as formas de combate, repressão e punição ao crime são atribuições exclusivas do Estado, que possui o monopólio da ação coercitiva na ordem jurídica moderna, por ter a responsabilidade de manter a estabilidade social dentro de um conjunto de leis. Quando o aparelho estatal passa a ser ocupado pelos próprios criminosos e estes passam a deter o poder soberano do povo, ao invés de o Estado ser o mantenedor da ordem jurídica ele se torna a força maior de deterioração das regras do direito. Quando isso ocorre, a sociedade não mais pode contar com o Estado para manter os fundamentos da democracia e da imanência do poder. É a total corrupção das instituições democráticas e a dissolução da ordem jurídica – uma ameaça que a sociedade precisa enfrentar.

CONSEQÜÊNCIAS

A distância que separa os fundamentos da democracia moderna (e os mecanismos que garantem a sua expressão) da prática real do exercício do poder no Brasil nos dá a idéia de quão afastados estamos de viver em uma democracia real. Além disso, toda a invenção política da modernidade – que representou avanços contínuos na ordem social e um amadurecimento progressivo da sociedade (ainda em andamento) – é jogada por terra. O direito é dissolvido, com a conseqüente ameaça da criação de uma sociedade onde vige apenas a lei do mais forte.

O recente esforço de combate ao crime organizado tem dado resultados positivos e animadores. Mas este é apenas um aspecto da questão. Se não houver uma intensa preocupação da sociedade com a política, corremos o risco de continuar vendo, por um longo tempo, os episódios reprováveis que têm acompanhado o exercício do poder no Brasil. Não haverá apelo ético suficiente para evitar a deturpação e a corrupção da democracia.

Isso nos tem levado a um ponto em que parte da população já não vê mais sentido na ordem democrática e reivindica para si as atribuições exclusivas do Estado, imputando a seus grupos o poder de criar leis, julgar e punir. É a criação de um outro poder, regido por normas diferentes das oficiais e exercido em estruturas grosseiras disputadas com violência.

Por outro lado, quando a população passa a não perceber a fonte originária de sentido que deveria estar vinculada aos mecanismos democráticos de exercício do poder imanente, cria-se um ambiente propício para a ascensão de lideranças carismáticas e populistas, desejosas de concentrar todas as atribuições políticas em suas mãos, recriando fenômenos como o nazismo e o fascismo.

Se a população desejar manter o processo de construção de uma sociedade verdadeiramente fundada no poder imanente do povo, submetida a um ordenamento jurídico que garanta a igualdade, a liberdade, os direitos fundamentais do ser humano e o exercício pleno do poder popular, é urgente que se faça uma reflexão sobre os fundamentos das normas constitucionais modernas, identificando a profunda vinculação, na raiz, do direito com a política. Afinal, não se pode discutir ordenamento jurídico sem a compreensão das normas constitucionais; e nem estas últimas sem o processo que as produz. Não se faz leis e nem se garante a sua aplicação sem se ter poder para tal.